Ecologias do Pensamento 2022
Projeto de pesquisa
https://www.uclmal.com/ecologies-of-thought
Laboratório de Antropologia Multimídia. (UCL)
Coordenação:
Matheus Montanari
Raffaella Fryer-Moreira
Fabiana Assis Fernandes
Patrick White
Apoiado pelo Fundo de Engajamento Global da Ucl
Este projeto visa estabelecer uma parceria internacional entre artistas, antropólogos, comunidades indígenas, designers de som e botânicos, numa interrogação sobre o papel do som no conhecimento ecológico e na prática arquivística. Estabelecendo um diálogo criativo entre as abordagens divergentes do conhecimento ecológico articuladas por comunidades indígenas Guarani e Kaiowá, e botânicos da Escola de Botânica em São Paulo. À luz da necessidade urgente de revisar e repensar as relações ecologicas em escala global, reconhecendo as novas possibilidades epistêmicas das tecnologias de captura de dados, propomos colaborar com os membros da comunidade para explorar os diferentes tipos de dados que esses dispositivos fornecem e o conhecimento ecológico que tornam possível. Utilizando fotogrametria, microcontroladores Arduino e diversos sensores, exploramos as possibilidades epistêmicas que cada equipamento oferece a membros da comunidade, artistas e botânicos, incentivando um processo de interrogação colaborativa de outros conhecimentos e abrindo possibilidades de reconceitualização de divisões entre conhecimento técnico e ecológico.
Quando começamos o Museu Guarani e Kaiowá VR, tínhamos sessões semanais onde os anciões nos diziam quais modelos 3D deveríamos fazer, depois revisavam, pediam mudanças e nos instruíam onde e como colocá-los. Com o decorrer do processo, começaram a surgir discussões interessantes sobre a agência desses modelos 3D, culminando com a primeira apresentação do museu à comunidade com os óculos de realidade virutal, quando duas anciãs viram espíritos dentro do museu. A partir desse momento, percebemos que a presença cosmológica no mundo virtual era muito mais complexa do que pensávamos. Para investigar isso, iniciamos outro projeto, focado nesses aspectos.
O projeto ecologias do pensamento estabeleceu uma parceria internacional e multidisciplinar por meio do fundo de engajamento global da UCL para investigar com os Guarani e Kaiowá o pensamento ecológico a partir das relações entre som e plantas. O projeto estabeleceu diálogos entre diferentes tipos e concepções de tecnologia, desde o canto e cultivo tradicional até o uso de microcontroladores e análise de dados.
Desenvolvemos duas estratégias experimentais. A primeira focou na criação de mundos de realidade virtual que, por meio de processos de arte generativa, exploraram a cosmologia Guarani e Kaiowá em seu aspecto cosmotécnico. Utilizando sons e elementos tradicionais, como o Chiru, o cajado sagrado que sustenta o mundo, e o milho branco, buscamos investigar elementos fundamentais da cosmologia por meio de uma experiência e não de uma representação narrativa.
A arte generativa pode ser definida em diferentes graus de complexidade, está associada a um sistema que possui algum grau de autonomia, em que o artista e o sistema exercem uma série de operações que resultam na obra final. Buscando formas de se relacionar com as mitologias Guarani e Kaiowá e respeitar suas características, as metodologias da arte generativa pareciam não apenas se adequar às qualidades ontológicas da cosmologia Guarani e Kaiowá, mas também privilegiar uma investigação e produção audiovisual que pudesse manter uma fidelidade cosmotécnica. Já que ambas, a cosmologia e a arte generativa Guarni e Kaiowá, são processos emergentes não lineares com elementos repetitivos que estão em constante transformação.
A segunda estratégia foi usar microcontroladores para transformar plantas da cultura alimentar Guarani e Kaiowá em sensores táteis, para que ao serem acionados emitissem um som. Neste experimento utilizamos milho, batata e mandioca com sons de instrumentos tradicionais, o mimby (apito), o taquapu (bambu) e o mbaraka (chocalho). Com isso, conseguimos traçar linhas entre plantas e sons, aprofundar conversas sobre essas relações ecológicas extra-humanas e entender melhor como podemos nos envolver e apresentar esse tipo de conhecimento.
Assim, conseguimos unir processos poéticos e técnicos para propor uma mescla de saberes, que além de uma explicação ou representação de um saber em outro, desenvolve uma experiência própria. Isso nos permite escapar de uma representação naturalista idealizada da cultura indígena, que não consegue entender o pensamento e as tecnologias indígenas como formas válidas de construir e pensar uma cosmotécnica para o nosso tempo.
Mais amplamente, este projeto busca rever a noção de preservação romântica e colonial que não concebe a presença indígena como uma presença digital, atuando e pensando seus processos desde sua concepção. Isso significa, além de uma representação ilustrativa do que se acredita ser o patrimônio cultural material e imaterial da comunidade, construir colaborativamente um território indígena-digital, um tekoha digital Guarani e Kaiowá onde se estabelece uma nova ontologia tecnológica em que a própria concepção da tecnologia contemporânea é afetada pela cosmotécnica indígena.
Em conclusão, a pesquisa epistêmica proposta e desenvolvida durante o projeto nos revelou as potencialidades que esta metodologia colaborativa possui para ir além das investigações epistemológicas, para revisitar questões ontológicas da tecnologia. A colaboração, a interdisciplinaridade e a investigação dos processos criativos - mais do que a proposição de representações - permite-nos chegar a questões relativas ao nível da existência para que, na era antropocênica da ausência de futuros, possamos compor uma cosmotécnica para um realidade viável, virtual e real, a partir de uma poética do cuidado e das relações mais que humanas.